sábado, 28 de novembro de 2009

Alguns poemas

QUANDO

Não é sempre que te quero.
É só quando a aurora
com olheiras roxas
chega atrasada ao ocaso da noite.

É só quando o tempo
com cabelos desgrenhados
veste sua camisa pelo avesso.

É só quando a lua
comovida por um beijo esquecido
abandona-se no firmamento
em soluços até o meio dia.

É só quando a pena
verga flácida
e o tinteiro resseca por não conseguir grafar adeus.

É só quando mais não me vejo
e o que fora de mim jaz semeando chuva,
plantando, não minha carne, mas minha angústia...

Não é sempre que te quero:
é só quando existo.





RECÔNDITO TEMPO

Porque soubeste, amada minha,
de minh’alma o ardor que desconheço;
porque tiveste, encanto meu,
de minha carne o sabor que nunca dera fruto;
porque foste, vida minha,
a presença que meu peito dilatou para acolher,
recuso-me a dizer-te adeus.

Freme ainda a chama no indizível espaço
oscilante entre o ontem e o sempre:
o recôndito tempo
daquilo que se sonha eterno
mas só se eterniza por amor.




MOSAICO

Que parte cabe à parte
quando o todo se parte?
Quanto do todo se perde
e parte
quando já uma parte
de si se esquece?
Em que parte mora essa parte
que ao todo falta?
E muito falta a cada parte só
para o encontro do todo.
Eu sou todo parte
mas o desejo do todo não me parte,
me junta.
Mas ajuntamento de parte não é todo.
Parte, que é toda a sua parte,
já todo é.
Parte que com outra parte todo torna-se,
parte não é somente:
é todo milagre.

Eu sou todo parte
mas o desejo do todo não me parte,
me junta.
E da vida em cada parte todo sendo,
busco, em parte, não a inteireza
mas uma parte no encontro do todo,
os tantos cacos, as muita partes,
íntegros todos – mosaico.


MIRADA

Pois quando confrontados
com a beleza em sua forma
de sopro,
não mais conseguem
ver os
olhos –
isto é tarefa para o encanto.
Pois quando diante
das cores de uma palheta apenas
intuída,
não mais conseguem
ver os
olhos –
isto é tarefa para o idílio.
Pois quando inquiridos
por um corpo que freme no compasso
de um tempo inumerável,
não mais conseguem
ver os
olhos –
isto é tarefa para o pulso.
Ver na vária verve do senso:
difuso; ampliado.

Enquanto uma noite, com seus olhos de
eternidade,
lança-me sua
mirada.